O ecossistema das publicações científicas e seu impacto na produção científica na América Latina
- Carlo VCaballero Uribe MD
Caballero Uribe CV. O ecossistema das publicações científicas e seu impacto na produção científica na América Latina [Internet]. Global Rheumatology. Pan American League of Associations of Rheumatology (PANLAR); 2022.. Available from: https://doi.org/10.46856/grp.11.e141
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O ecossistema das publicações científicas e seu impacto na produção científica na América Latina
Estamos completando dois anos desde o lançamento oficial da Global Rheumatology, uma nova revista científica da PANLAR. Durante esse período, a publicação emergente consolidou sua política editorial com características diferenciadas que atendem às necessidades de promoção e difusão do conhecimento da comunidade reumatológica mundial, especialmente da América Latina.
Estamos completando dois anos desde o lançamento oficial da Global Rheumatology, uma nova revista científica da PANLAR. Durante esse tempo, a jovem publicação consolidou sua política editorial com características diferenciadas que atendem às necessidades de promoção e divulgação do conhecimento da comunidade reumatológica mundial, especialmente da América Latina.
As revistas científicas vêm migrando de um modelo baseado em assinaturas para o acesso aberto, com cobrança de taxas de processamento de artigos (APC) (1). Os principais beneficiados por essa mudança têm sido as editoras que publicam a maioria das revistas científicas do mundo. Um estudo recente (2) mostra que, dos 505.903 artigos de acesso aberto (AA) analisados, 60,9% foram publicados em revistas Gold OA (acesso aberto dourado), nas quais os autores pagam APC; apenas 8,6% em acesso Diamante (sem pagamento de APC) e 30,5% em revistas híbridas (em que é necessário pagar para tornar o artigo AA). As receitas das editoras com o modelo Gold OA somaram US$ 612,5 milhões, enquanto a publicação de AA em revistas híbridas gerou US$ 448,3 milhões, embora essas já cobrem taxas de assinatura.
Entre as cinco principais editoras, a Springer-Nature obteve a maior receita com AA (US$ 589,7 milhões), seguida da Elsevier (US$ 221,4 milhões), Wiley (US$ 114,3 milhões), Taylor & Francis (US$ 76,8 milhões) e Sage (US$ 31,6 milhões).
Nesse contexto, optar por produzir e difundir uma revista independente de acesso aberto diamante, ou seja, que não cobra APC dos autores nem dos leitores, é uma decisão significativa, considerando o alto custo de manter uma publicação científica (1, 2).
Os APCs são uma barreira importante para a visibilidade da ciência produzida globalmente, favorecendo interesses comerciais mais do que científicos ou de disseminação do conhecimento (2).
Essa realidade contrasta com uma prática comum e frequentemente subestimada na América Latina, que demonstra o potencial da região: aqui, as publicações pertencem majoritariamente a universidades e sociedades científicas, não a editoras comerciais, com foco na disseminação do conhecimento e na visibilidade da produção científica, em vez do lucro (3).
Atualmente, a infraestrutura construída na América Latina por sistemas como o Redalyc (Rede de Revistas Científicas da América Latina e Caribe, Espanha e Portugal) e o SciELO (Scientific Electronic Library Online) coloca a região na vanguarda mundial do acesso aberto não comercial ou diamante, como tem sido denominado esse modelo.
Uma análise detalhada das publicações científicas da América Latina e do Caribe, com base nos registros consolidados de revistas indexadas no SciELO e no Redalyc entre 1909 e 2019, identificou 1.720 revistas científicas na região, com quase 800.000 artigos e mais de 2.500.000 autores disponíveis para consulta aberta. O estudo destaca o predomínio de universidades e instituições públicas nesse circuito regional de publicação e mostra que o modelo APC ainda é pouco usado na região, sendo o Brasil o país com maior presença dessa prática (3).
O lado negativo dessa escolha é que ela nem sempre se traduz em maior visibilidade científica. No entanto, os números mostram que a produção científica da América Latina cresce e se torna mais visível em comparação com outras regiões em desenvolvimento.
Entre 2000 e 2010, a produção científica da América Latina cresceu mais de 9% ao ano, o que representou um aumento de quase 70% na participação da região nos manuscritos publicados globalmente. Isso corresponde a aproximadamente 4,4% da produção anual mundial de artigos acadêmicos. O impacto de citações na região aumentou 1,6% ao ano, mas ainda está abaixo da média mundial (4).
Segundo a Clarivate (antiga Thomson Reuters), responsável pelos rankings de fator de impacto, o número de artigos científicos da América Latina indexados na Web of Science (WoS) cresceu mais rapidamente do que em grande parte do resto do mundo. Entre 2016 e 2020, cinco países da região (Brasil, Argentina, México, Colômbia e Chile) publicaram mais de 25.000 artigos na WoS. Outros 12 países publicaram entre 1.000 e 10.000 artigos, e os 17 restantes publicaram menos de 200 por ano, em média. O Brasil é, de longe, o maior produtor de pesquisa, e 10 dos 34 países da região (incluindo Cuba e México) representam mais de três quartos da produção regional.
Esses dados desafiam o conceito de “continente invisível”, frequentemente usado para se referir à baixa visibilidade científica da região, marcada pela dificuldade em obter citações globais. Essa produção, verificável e significativa, muitas vezes é subestimada, inclusive internamente, já que grande parte das publicações está em revistas pertencentes a um ecossistema regional sólido, mas que não estão indexadas em bases de dados comerciais como WoS ou Scopus (6). A contribuição da América Latina para a ciência mundial está crescendo, ocupando uma posição intermediária em termos de produção e visibilidade.
A reumatologia também reflete essas tendências (7), com predominância de publicações no hemisfério norte e baixa representação do sul global, com exceções notáveis como o Brasil e a Índia.
As principais limitações identificadas incluem a baixa colaboração internacional entre os países da região, a menor visibilidade por barreiras de idioma e localização das revistas (4), escassez de financiamento para pesquisa e publicação, ausência de programas robustos de mentoria para jovens pesquisadores com tempo dedicado à pesquisa, e falta de apoio para melhorar a redação dos manuscritos, entre outros fatores (8, 9).
Esses achados destacam a necessidade de continuar estudando os padrões de comunicação científica na região, a fim de formular recomendações úteis para políticas de pesquisa e publicação na América Latina (10, 11).
Há vários anos, a PANLAR vem promovendo grupos de estudo em diferentes doenças reumáticas. Alguns têm sido bem-sucedidos em evidenciar as nossas especificidades e a necessidade de fortalecer a pesquisa local (12). Espera-se que, com a nova Unidade de Pesquisa e o lançamento de diretrizes clínicas preliminares, a organização (13) entre em uma nova fase, na qual será fundamental reconhecer as fortalezas do trabalho colaborativo multinacional e a comunicação científica com padrões internacionais, contribuindo ao mesmo tempo com ciência relevante para o continente, seus pacientes e instituições – o que é essencial para um crescimento sustentável.
A comunidade científica, por sua vez, deve refletir sobre esses dados e propor uma estratégia comum para aumentar a visibilidade e consolidar um ecossistema de produção científica mais adequado e valorizado na nossa região.
A partir da Global Rheumatology, estamos fazendo todos os esforços para garantir, com artigos de qualidade, um espaço relevante no ecossistema de publicações científicas na América Latina e no mundo. As avaliações internacionais que nos permitiram ingressar em indexadores como DOAJ (14) ou Latindex atestam esse trabalho.
Atualmente, autores, revisores e leitores contam com uma plataforma editorial robusta baseada em Drupal – um sistema de gerenciamento de conteúdo modular, gratuito e altamente personalizável – que permite a integração de identificadores como ORCID, DOIs fornecidos pela CrossRef, além de otimização de metadados, essencial para a visibilidade e rastreabilidade da produção científica da revista.
Sabemos que, após dois anos de trabalho intenso, ainda há grandes desafios para consolidar a Global Rheumatology. No entanto, com uma visão clara e o crescente apoio da comunidade reumatológica pan-americana e internacional, que busca acesso a informações confiáveis e relevantes sobre doenças reumáticas – especialmente na América Latina – a revista científica da PANLAR continuará crescendo e aumentando seu impacto como veículo essencial de comunicação no cenário da reumatologia global.
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- Butler, L, Matthias, L, Simard, M A, Mongeon, Ph, Haustein, S. (2022). The Oligopoly's Shift to Open Access. How For-Profit Publishers Benefit from Article Processing Charges (Version v1). Zenodo. https://doi.org/10.5281/zenodo.7057144
- Beigel, F., Packer, A. L., Gallardo, O., & Salatino, M. (2022). OLIVA: a transversal analysis of indexed scientific production in Latin America. Disciplinary diversity, institutional collaboration, and multilingualism in SciELO and Redalyc. In SciELO Preprints. https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.2653
- Nundy, S., Kakar, A., Bhutta, Z.A. (2022). The Status of Biomedical Research in some Developing Countries. In: How to Practice Academic Medicine and Publish from Developing Countries? Springer, Singapore. https://doi.org/10.1007/978-981-16-5248-6_6
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- PANLAR a través de su historia. PANLAR 2018 (Libro), Capítulo 4 pp. 93-105 ISBN 978-958-59277-7-3 Available from http://www.panlar.org/sites/default/files/historia_de_panlar_75_anos_digital.pd
- Fajardo E. Introduction to PANLAR Guidelines. Pan American League of Associations of Rheumatology (PANLAR); 2022. Available from: https://doi.org/10.46856/grp.27.e138
- Caballero Uribe CV. UNESCO, Ciencia abierta, acceso abierto y publicaciones científicas Global Rheumatology. Pan American League of Associations of Rheumatology (PANLAR); 2022. Available from: https://doi.org/10.46856/grp.11.e118