A fibromialgia vista pelos médicos especialistas em medicina da dor na Colômbia.
- Daniel GFernández-Ávila
Fernández-Ávila DG, Ronderos-Botero DM, Rincón-Riaño DN, Gutiérrez JM. A fibromialgia vista pelos médicos especialistas em medicina da dor na Colômbia. [Internet]. Global Rheumatology. Vol. 1 / Jun - Dic [2020]. Available from: https://doi.org/10.46856/grp.10.e002
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A fibromialgia vista pelos médicos especialistas em medicina da dor na Colômbia.
Introdução: Os conceitos e percepções sobre o diagnóstico e o tratamento da fibromialgia entre os médicos especialistas em medicina da dor não são conhecidos de forma objetiva, o que nos motivou a realizar o presente estudo.
Métodos: Estudo descritivo de corte transversal. Por meio de um grupo focal com a participação de dois reumatologistas, dois médicos especialistas em medicina da dor e um especialista em métodos de pesquisa qualitativa, foi elaborada uma pesquisa para avaliar as percepções e conceitos que os médicos especialistas em medicina da dor têm sobre o diagnóstico e o tratamento da fibromialgia. A pesquisa foi aplicada de forma autoadministrada e anônima por meio de um link na internet, enviado a médicos especialistas em dor pertencentes à Associação Colombiana para o Estudo da Dor.
Resultados: A pesquisa foi aplicada a 81 médicos especialistas em medicina da dor. 71,6% (n=58) consideram que há evidência suficiente para considerar a fibromialgia como uma doença; 90,1% (n=73) utilizam os critérios do ACR de 1990 para diagnosticar pacientes com fibromialgia e 60,5% (n=49) dos entrevistados declararam utilizar os critérios de classificação de 2010. Os medicamentos mais prescritos para o manejo da fibromialgia são os antidepressivos (96,3%), seguidos pelos anticonvulsivantes (88,9%) e analgésicos (84%). 84% dos médicos encaminham esses pacientes à psiquiatria e 63% ao reumatologista.
Conclusão: O presente estudo fornece informações sobre as percepções a respeito do diagnóstico e do tratamento da fibromialgia entre um grupo de médicos especialistas em medicina da dor na Colômbia.
A fibromialgia é uma doença crônica cujo sintoma característico é a dor musculoesquelética generalizada, geralmente associada a uma ampla gama de sintomas que, junto com a dor, afetam a qualidade de vida dos pacientes (1). Foi reconhecida como uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1992, como uma síndrome clínica de etiologia desconhecida que provoca dor musculoesquelética crônica, difusa e incapacitante, e que costuma vir acompanhada de distúrbios como fadiga, alterações do sono, cefaleia, síndrome do intestino irritável, entre outros (2).
A prevalência da fibromialgia varia entre 2% e 4% da população geral, com maior predominância em mulheres (relação mulher : homem de 9 : 1) (3,4). Na Colômbia, estima-se uma prevalência de 0,72% (IC 95%: 0,47–1,11%), determinada em um estudo que utilizou a metodologia e o questionário de triagem COPCORD (Community Oriented Program in the Rheumatic Diseases), após avaliar 6.693 pessoas em 6 cidades colombianas (5).
Os critérios de classificação da fibromialgia foram definidos inicialmente em 1990 pelo Colégio Americano de Reumatologia (ACR) (6). Ao longo dos 20 anos seguintes, várias observações foram feitas por diferentes autores, incluindo o autor principal dos critérios de 1990, com o objetivo de encontrar uma nova forma de classificar esses pacientes (7). Em maio de 2010, foram propostos novos critérios de classificação (8), buscando incluir não apenas aspectos relacionados à dor, mas também ao espectro complexo de sintomas que afetam esses pacientes.
A fibromialgia representa um desafio diagnóstico e terapêutico para o médico, independentemente de sua especialidade, dada a complexidade de uma doença caracterizada pela presença de dor generalizada como sintoma principal, associada a outros achados clínicos de difícil quantificação, como fadiga, distúrbios do sono e alterações cognitivas (9). Vários desses sintomas podem estar relacionados a outras doenças osteomusculares, especialmente nas fases iniciais, dificultando o processo diagnóstico (10).
Pacientes com fibromialgia costumam consultar diversos médicos especialistas, tanto no início dos sintomas para confirmação diagnóstica, quanto durante o tratamento e acompanhamento clínico (11). O médico especialista em medicina da dor desempenha um papel fundamental na abordagem e tratamento da dor crônica sem causa subjacente aparente, com foco no conceito de “dor neuropática” ou “não nociceptiva” ou “sensibilidade central”, onde a hiperalgesia e a alodinia são típicas (12,13).
Os conceitos sobre diagnóstico e tratamento da fibromialgia entre médicos especialistas em medicina da dor na Colômbia não são objetivamente conhecidos; até o momento, há apenas informações informais e subjetivas, não publicadas. O objetivo deste estudo é obter dados objetivos sobre esse tema e descrever os conceitos e percepções sobre o diagnóstico e tratamento da fibromialgia entre os médicos especialistas em medicina da dor colombianos.
Estudo descritivo de corte transversal. Por meio de um grupo focal composto por dois médicos reumatologistas, um médico especialista em medicina da dor e um especialista em métodos de pesquisa qualitativa, foi elaborada uma pesquisa composta por quatro domínios. O primeiro domínio abordava aspectos gerais e de identificação do médico (idade, sexo, tempo de experiência e cidade de atuação); o segundo domínio tratava dos aspectos diagnósticos da doença; o terceiro abordava as opções terapêuticas utilizadas (tratamentos farmacológicos, não farmacológicos e terapias alternativas); e o quarto domínio examinava a opinião sobre o manejo multidisciplinar da fibromialgia e o encaminhamento para outros especialistas. As opções de resposta foram apresentadas em escala de Likert. Um teste piloto foi realizado com 10 residentes de medicina da dor para avaliar a duração da pesquisa e o nível de compreensão das perguntas. A pesquisa foi aplicada de forma autoadministrada e anônima por meio de um link na internet, enviado a médicos especialistas em dor pertencentes à Associação Colombiana para o Estudo da Dor. As informações foram compiladas em um banco de dados e analisadas no Microsoft Excel®. Foi realizada uma análise descritiva, utilizando frequências e percentuais para variáveis qualitativas e medidas de tendência central para variáveis quantitativas.
A pesquisa foi respondida por 81 médicos especialistas em medicina da dor. Do total de entrevistados, 72,8% (n = 59) eram homens e 49,4% (n = 40) tinham mais de 50 anos. 71,6% (n = 58) dos especialistas consideram que há evidência suficiente para considerar a fibromialgia como uma doença. 48,1% (n = 39) acreditam que os critérios do ACR de 1990 são suficientes para diagnosticar a fibromialgia, e mais de 90% desses especialistas os utilizam no enfoque diagnóstico de pacientes com suspeita da doença. No entanto, até 60,5% (n = 49) dos especialistas também já utilizaram os critérios de classificação do ACR de 2010.
43,2% (n = 35) dos entrevistados consideram que o paciente com fibromialgia se sente rejeitado por sua especialidade, e 82,7% (n = 67) acreditam que esses pacientes são rejeitados por médicos de outras especialidades.
Quanto aos aspectos relacionados ao tratamento da doença, constatou-se que os medicamentos mais utilizados pelos especialistas em medicina da dor para o tratamento da fibromialgia são os antidepressivos, prescritos por 96,3% dos entrevistados, seguidos pelos anticonvulsivantes (88,9%) e pelos analgésicos (84%).
Entre os antidepressivos, o mais prescrito é a amitriptilina (52,1%), seguido pela fluoxetina (48%) e duloxetina (39,1%). No grupo dos antiepilépticos, o mais utilizado é a pregabalina (87,1%), seguido pela gabapentina (79,3%) e carbamazepina (74,4%). O analgésico mais frequentemente prescrito é a combinação de paracetamol com tramadol (57,7%), seguido por paracetamol com tizanidina (54,2%), sendo os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) muito pouco utilizados (Figura 1).
Quanto ao manejo não farmacológico, 58% (n = 47) dos médicos especialistas em dor prescrevem hidroterapia como parte do tratamento do paciente com fibromialgia.
Em relação ao encaminhamento para outras especialidades como parte do manejo interdisciplinar, observou-se que 84% (n = 68) dos especialistas encaminham os pacientes para psiquiatria, e 63% (n = 51) para reumatologia.
Por fim, 48% dos especialistas entrevistados consideram que o tratamento do paciente com fibromialgia deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar liderada por um especialista em medicina física e reabilitação, e apenas 28% acreditam que esse papel deva ser desempenhado pelo especialista em medicina da dor (Figura 2).
Nosso estudo é o primeiro a descrever os conceitos e percepções de médicos especialistas em medicina da dor a respeito de sua abordagem diagnóstica e terapêutica de pacientes com fibromialgia. O primeiro ponto de destaque é que sete em cada dez desses especialistas consideram a fibromialgia como uma doença, diferentemente de outras especialidades onde frequentemente se questiona a existência real dessa condição (14,15). Há estudos que demonstram as dificuldades no diagnóstico, abordagem e tratamento da fibromialgia na medicina geral e em outras especialidades como psiquiatria, medicina física e reabilitação e reumatologia, relatando que o treinamento em temas relacionados à fibromialgia é inadequado (16–18).
Uma das maiores preocupações entre os profissionais de saúde é a insatisfação com o atraso no diagnóstico, o que frequentemente gera frustração por não conseguirem ajudar os pacientes, devido à incerteza quanto à etiologia da doença. Isso atrasa o início do tratamento e resulta em respostas muito variáveis, muitas vezes insatisfatórias (19,20).
Em relação ao uso de critérios diagnósticos, os critérios do American College of Rheumatology (ACR) de 1990 são utilizados por quase 90% dos médicos especialistas em medicina da dor na abordagem diagnóstica desses pacientes. Esses dados são semelhantes aos encontrados em outras especialidades, como reportado no estudo de Mu R. et al., onde 83,7% dos reumatologistas ainda utilizam os critérios do ACR de 1990 (18). No entanto, os critérios diagnósticos de 2010 também são utilizados por 61% dos especialistas em medicina da dor, percentual bem superior ao relatado em outros estudos (21). Uma pesquisa comparou o uso dos critérios do ACR de 1990 entre reumatologistas latino-americanos e europeus, encontrando taxas de 61,7% e 35,7% respectivamente, dados comparáveis aos nossos resultados (22).
Quanto ao tratamento da doença, observamos que os médicos especialistas em medicina da dor na Colômbia, em geral, oferecem um manejo alinhado com as diretrizes internacionais (1,23), utilizando principalmente os antidepressivos amitriptilina, fluoxetina e duloxetina; os anticonvulsivantes pregabalina e gabapentina; e, entre os analgésicos, preferindo a associação de paracetamol com opioide leve ou relaxante muscular em vez de paracetamol isolado. O uso limitado de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) é adequado, uma vez que esses medicamentos não são recomendados para o tratamento da fibromialgia.
É evidente a importância atribuída ao manejo interdisciplinar dessa condição, com quase 85% dos pacientes sendo encaminhados para a psiquiatria e 64% para a reumatologia, e mais de 50% dos médicos considerando que o especialista que deve liderar o manejo é o médico em medicina física e reabilitação.
Os pacientes com fibromialgia enfrentam não apenas a dor e os sintomas associados à síndrome, mas também a falta de aceitação por parte de familiares (24) e, inclusive, de profissionais de saúde envolvidos em seu cuidado. É essencial reconhecer a dor dos pacientes com fibromialgia como real. Apesar das dúvidas levantadas por diferentes especialidades médicas, há evidências suficientes para considerar a fibromialgia como uma condição verdadeira, sendo necessário aprofundar o conhecimento sobre sua fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (25,26).
Este estudo apresenta informações objetivas sobre aspectos-chave da fibromialgia, que até então eram baseadas apenas em dados subjetivos e comentários informais entre especialistas. Essas informações podem servir como feedback para os próprios colegas e como base para novos estudos, como, por exemplo, a aplicação da mesma pesquisa em outras especialidades envolvidas no manejo da fibromialgia, como psiquiatria, clínica médica e medicina de família, que também lidam com essa doença. Atualmente, nosso grupo de pesquisa está avançando na aplicação da mesma pesquisa a outros especialistas na Colômbia e em outros países da América Latina.
São apresentadas informações objetivas sobre as percepções da fibromialgia entre um grupo de médicos especialistas em medicina da dor na Colômbia, dados que serão úteis como forma de feedback para esses profissionais e como base para outros estudos que visem aumentar a quantidade e a qualidade das informações sobre a melhor abordagem para essa complexa condição.
Sem financiamento externo.
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